Extraído do livro De Jesus para as crianças de Bittencourt Sampaio - cap.2
Num meio dissoluto (contrário aos bons costumes) e idólatra
(pessoa que admira exageradamente), seguindo, no entanto as leis do monoteísmo,
crendo em um único Deus Verdadeiro e Soberano, passou a infância e fez-homem o
grande Moisés, cujo nome em hebraico que dizer – salvo das águas.
Ramsés, o Faraó, respeitando os sentimentos magnânimos da
princesa sua filha, acolhe em seu palácio o filho de Amram, na idade em que se
poderia desenvolver o seu espírito; e, como lhe descobrisse uma inteligência precoce
e vivaz, judicioso que era todos os seus atos, incumbe à sabedoria dos grandes
da sua pátria a educação do menino hebreu. Fácil foi Moisés, sempre inspirado,
compreender e desenvolver a ciência dos egípcios.
E, às horas do crepúsculo, ao descerem as colinas,
conduzindo ao aprisco seus rebanhos, maravilhavam-se os pastores de quase
sempre encontrarem aquela criança, que se esquivava aos brincos (brincadeiras)
infantis, para absorver-se em funda meditação, como se já fora um velho, que no
tédio da vida antevisse outra existência mais feliz.
Feito homem, chocavam-se lhe no espírito dois sentimentos
extraordinários.
As lágrimas e gemidos dos de sua raça lhe feriam fundo o
coração bondoso, exaltando lhe o altivo ânimo. Os penosíssimos trabalhos a que,
para florescência dos campos e esplendor da cidade, eram condenados seus
irmãos, lhe despertavam na alma uma tempestade de revoltas, que a custo a sua
gratidão conseguia sufocar.
Quantas vezes não lhe passou pela mente o desejo impetuoso
de sublevar os seus, quebrando por uma vez o jugo que os oprimia! Mas, às
negras sombras, que por momentos lhe povoavam o cérebro, sucedia logo e logo a
doce e serena luz da gratidão que lhe inundava a alma, trazendo-lhe plácido remanso
a essas paixões.
Lembrava-se então de Termutis, a sua salvadora! Tudo
suportaria, contanto que a princesa não sofresse a mais pequenina dor causada
pela criancinha das águas!
E, com seus irmãos, estudava e padecia; assim, porém, que a
morte, segundo a linguagem humana, tirou das vistas de Moisés o seu anjo protetor,
como ele mesmo a apelidava, fala-lhe ao coração o espírito da raça, surge nele
o homem impetuoso e ardente que busca por todos os meios a libertação dos
filhos de Israel.
Alma experimentada ao calor das batalhas, que mais de uma
vez fora levada, por gratidão à sua salvadora, a pelejar contra os Etíopes, ele
encara sem temor a luta que se vai travar, não se arreceando das derrotas,
porque tem fé no seu Deus, o Deus de seus pais, o Único Deus perante o qual
cairão todos os ídolos (ver na Bíblia Isaías 45:21-23).
Depois de repetidas violências praticadas contra os pobres
escravizados, encontra Moisés um dia, na estrada, possante egípcio infligindo a
um hebreu dura castigo. Revolta-se e, não podendo conter-se, como que para dar
começo a essa tremenda campanha de liberdade, de luz e de fé, que em prol de
sua raça ia travar, lança-se de permeio, servindo de ante mural ao israelita, e
mata (não há na linguagem humana outra palavra) mata o covarde.
Amedrontado, porém, pelo que fizera e tendo certeza de uma
represália, foge depois de lançar sua vítima a um barranco arenoso. Dias depois,
de toda a cidade foi sabido o feito de Moisés; seus próprios irmãos, aqueles
mesmos por cuja liberdade ele se batia, severamente o exprobravam (lançar
censura a, repreender, criticar).
Manifesta-se assim o gênio arrebatado daquele que mais tarde
devia ditar leis, fazendo-se conhecido como o único homem que naquela época,
afrontando uma sociedade sanguinária e dissoluta, sem Deus e sem crenças
verdadeiras, seria capaz de levantar seus irmãos à sua divina origem – o seio
do Criador!
Divulgado o fato, ordens severas foram dadas para a prisão
do estrangeiro que, em sangue egípcio, ousara ensopar o berço da escravidão.
Moisés, que era médium, recebe a intuição do seu Guia, retira-se para a casa de
Jetro, seu futuro sogro; e aí, procurando sempre aproveitar toda a sua
existência no trabalho, providencialmente se encarrega dos rebanhos de seu
sogro, passando nesse mister dias inteiros, na solidão das florestas, guiando o
gado às melhores pastagens.
Numa dessas jornadas, ao cair da tarde, caminha Moisés de
volta a penates (lar, família), quando, junto à base do Monte Horéb sente a
queda de um raio cobrindo-se de fluidos luminosos e espessa floresta de sarças
(planta), que se lhe afigura arder em rubras chamas.
- Será, porventura, o Senhor que me vem falar pela voz do
raio e pela luz que baixa do céu, pergunta Moisés!? E, prostrado, atento o
ouvido na solidão do monte, aguarda a palavra do Senhor.
Diz-nos a Sagrada História, meus filhinhos, que a essa lugar
deserto descera Deus, a fim de dar a Moisés as primeiras instruções para a
libertação do seu povo; hoje, porém, com mais verdade, afirma-nos a Nova Revelação
(o Espiritismo, a Terceira Revelação ou Consolador Prometido) que um Espírito,
por ordem do Senhor, baixara a terra e, aproveitando as mediunidades do grande
legislador hebreu, o iniciara no carreiro da redenção dos míseros cativos, cuja
raça descendia de altos espíritos (ver o livro A caminho da Luz, cap. 7), que
em espírito e verdade já tinham compreendido Deus, seu Criador, abandonando os cultos
de Baál e de Moloch e demais divindades criadas pela simples fantasia do homem.
Deus, não, meus filhos, mas um Espírito superior, igual a
esses que a todos os momentos da vossa vida podereis encontrar, desde que vos
souberdes colocar em condições de senti-los, assim falou a Moisés, no monte
Horéb:
- Vai a Faraó e, em meu nome, pede-lhe a libertação de tua
raça. Se as crianças já foram condenadas ao extermínio, por serem filhas de
hebreus, que lhe importa abrir mão desses infelizes que há tantos anos sofrem o
pesado jugo de tão ferrenha servidão?
- Mas, Senhor, diz Moisés, ele não me dará crédito; e, em
nome de quem, devo falar-lhe?
-Eu sou Aquele (ver Êxodo 3:14 na Bíblia) que é,
responde-lhe a voz.
Depois de muito meditar e de muita hesitação, como que
buscando uma evasiva ao alto empreendimento que lhe era ordenado, pergunta
ainda o salvo das águas:
- Como poderei convencer ao povo de que sou por vós enviado?
– Sou tartamudo (dificuldade para falar), Senhor, e à minha palavra negastes as
vibrações capazes de persuadir àqueles a quem me vou dirigir!
Responde-lhe o Anjo do Senhor: - procura teu irmão Aarão;
ele será a palavra, tu os prodígios. – Ouve a minha voz e cumpre o teu dever!
Após o desaparecimento desse maravilhoso quadro por Moisés
testemunhado, junto ao monte Horéb, entrega-se o grande legislador a profundo
meditar, dando tratos à imaginação, cogitando como desempenharia a missão de
que fora encarregado.
Ele bem conhecia o caráter dos israelitas, caráter que fora
adquirido no convívio de um povo todo entregue à idolatria e à dissolução dos
costumes. Avaliando a dureza da alma do Faraó e a grandeza do seu reino, tinha
a certeza de que as palavras de um estrangeiro dificilmente por aquele seriam
atendidas. Despertando da sua meditação, orou fervorosamente e voltou à sua
tenda; aí por largo tempo permaneceu, tomado de grande exaltação, até que um
dia, pelos enviados do Senhor avisado da morte do rei do Egito seu inimigo,
resolve-se a cumprir as ordens que recebera, pondo-se a caminho.
Aarão, por sua vez prevenido também pelo seu anjo da guarda,
lhe vem ao encontro e dos seus lábios ouve a revelação de tudo que com ele se
passara no monte Horéb. Dirigem-se ambos para o Egito e, aí chegando, pede
Moisés uma audiência ao rei, para obter a liberdade dos seus concidadãos.
Como servo humilde, rojasse-lhe aos pés, suplicando em
prantos a libertação dessa oprimida raça a que pertencia. O Faraó Segundo, o
novo rei, meus filhinhos, admirado da ousadia do estrangeiro, lhe pergunta com
que autoridade penetra em seu palácio par fazer-lhe tais súplicas; Moisés,
respondendo como lhe fora ordenado pelo divino enviado, fala em nome do seu
Deus, o Criador de todas as coisas, o Único Deus Eterno e Absoluto. O Faraó
chama os seus ministros e manda conduzir às fronteiras do seu reino o audacioso
embaixador de um Deus desconhecido para ele.
Decorrido algum tempo, volve de novo o Anjo do Senhor,
concitando o legislador hebreu a repetir ao rei, com seu irmão, os rogos que uma
vez já lhe fizera.
De novo é Moisés repelido e, então, começam a cair sobre
todo o Egito as grandes calamidades que a linguagem humana apelidou de pragas.
Fenômenos extraordinários se deram em todo o reino, com o fim de tocar o
coração endurecido, ferindo o espírito obcecado do grande e poderoso soberano.
Esses fenômenos, porém, que a todos aterrorizava naquelas épocas, pela
ignorância das causas que os produziam, hoje a ciência, à luz do Espiritismo,
os explica de modo a satisfazer à razão mais refratária. Dos desertos da
Arábia, os gafanhotos que aí se encontram em grande abundância e que a Zoologia
classifica na espécie Acrídeos (gafanhotos); da África Central as moscas, as
mais danosas de leste levantado e arrojado às planícies egípcias, devastando
toda a vegetação e dizimando todos os rebanhos. E, assim as correntes aéreas,
perfeitamente conduzidas pelos espíritos em missão, produziam esse resultado
necessário para amedrontar o rei e o seu povo.
Tais foram meus amiguinhos, as duras provações por que
passaram os egípcios, as quais melhor podereis conhecer pela leitura das
Sagradas Escrituras, e que conseguiram tocar o endurecido coração do Faraó.
Aproveitando esses acontecimentos, Moisés volta ainda uma
vez e repete as suas súplicas pela libertação do povo de Deus; e quando tanto
lhe não quisessem dar, dizia, ao menos lhe concedessem a esmola de permitir que
com o seu povo, ele fosso ao deserto cumprir uma promessa que fizera ao seu
Deus.
O rei, temendo novos desastres, acede pôr fim aos rogos dos
estrangeiros. Então, Moisés procura os seus, e Aarão dirigindo-lhes a palavra,
tenta persuadi-los da necessidade de saírem daquele infamante cativeiro,
buscando a terra da promissão, onde seriam felizes, abençoados pelo verdadeiro
Deus.
Convencidos afinal com grande dificuldade, pois já se haviam
habituado aos duros trabalhos e ao prazer da adoração dos falsos deuses,
submetem-se ao grande legislador e, assim, em número extraordinário, que
poderia formar um poderoso exército, saem os israelitas e Egito, guiados por
Moisés que, aproveitando uma maré do equinócio (dia e noite tem a mesma duração),
com eles atravessa o Mar Vermelho. Penetram no deserto, encontrando a cada
passo tribos diferentes que lhes dão batalha. Moisés confiando sempre no seu
Deus, no Deus de seus pais, aceita todos os combates e em todos é vencedor, até
que chega à falda do Sinai.
Povo de ingratos!
Por mais de uma vez, durante essa penosa quão gloriosa
jornada blasfemou a hora em que ouvira a voz do seu chefe e pedindo que este
lhe mostrasse o Deus de que tantas vezes lhe falara tentar até apedrejá-lo,
como impostor que o tinha tirado das terras do Egito, onde fruía os gozos condenados
pela razão e pela moral.
Moisés sempre humilde, mas firme nas suas convicções,
suplicava constantemente ao Senhor, procurando apaziguar os ânimos dos que o
acompanhavam, ora pedindo os saborosos mananciais para desalterar lhes (acalmar)
a sede, ora obtendo as codornizes para lhes saciar a fome, até que um dia,
quando mais acesa a revolta parecia dominá-los a todos, deixa-os o grande
israelita por momentos, e galgando as colinas que conduzem ao alto do Sinai,
vai orar ao seu Criador, implorando-lhe a força, o robustecimento da fé, para
levar por diante a sua jornada.
O povo, à distância, começa então a ouvir grande rumor na
floresta; cruzam-se relâmpagos no espaço e, envolto em fluidos luminosos,
destaca-se no alto do Sinai, joelhos postos em terra, o vulto majestoso de
Moisés.
Deus, não, mas o mesmo espírito do monte Horéb dirige a
palavra ao médium intuitivo e vidente, dando-lhe as instruções necessárias,
para felicidade daquele povo. Ordena que ele grave em pedra os mandamentos da
lei; - esse mandamento, meus filhinhos, tão sabiamente dados, que sendo dez, se
resume em dois: - amor a Deus sobre todas as coisas e amor ao próximo como a si
mesmo!
Mas, quem saberá amar a Deus? Quem compreenderá em todo o
espírito esse resumo dos mandamentos da lei?
Hoje mesmo, bem poucos talvez, apesar do sangue derramado no
Calvário, nas agonias da Cruz!
O amor a Deus, esse amor que pede a lei encontrareis, meus
filhos, no grande patriarca Abraão, o chamado – Pai dos pobres.
Esse santo varão (homem respeitado), filho de Taré, nasceu
em Ur, cidade da Caldeia onde viu a luz nas mesmas condições que o grande
legislador, num meio vicioso de infiéis; mas, espírito em missão, desde a
infância teve a intuição de um Deus Único e Verdadeiro, fugindo sempre ao culto
aos ídolos. Era o seu maior prazer engolfar-se (tornar absorto) em muda
contemplação da natureza, onde em tudo o que lhe feria o olhar, ele via
resplandecer a imagem do Único e Verdadeiro Criador.
Para o grande patriarca, o maior enlevo (encantar-se), a
mais doce alegria que lhe poderia inundar os seios da alma era sentar-se
meditando, às horas do crepúsculo, à porta da sua tenda, no vale de Mambre, à
espera dos peregrinos a quem desse pousada. E tão grande era a caridade daquele
elevado espírito que esse lugar, por todos os que ali passavam, ficou
denominado – o Seio de Abraão (ver na Bíblia Lucas 16:22)
Em uma dessas belas tardes, em que o bendito caçador de
almas esperava os viandantes, três mancebos a ele se dirigiram, saudando-o.
Grande foi o contentamento do velho patriarca, em recebê-los.
Chamando-os para a sua tenda, mandou que sua companheira preparasse o que de
melhor houvesse para seu repasto da noite, oferecendo-lhe a água fresca da
fonte cristalina.
E, sentando à mesa, em meio da palestra santificada, assim
lhe fala um dos mancebos (homem muito moço): - Diz-me o coração, senhor, que dá
vossa esposa ainda terá um filho.
Sara sua companheira, que oculta no fundo da tenda ouvia a
conversa dos viandantes, sorriu de incredulidade, porque já era velha, muito em
anos.
E, desse sorriso de mãe, meus filhos, nasceu Isaac, que veio
ao mundo, com espanto de todas as
gentes que habitavam aquelas terras – o que
veremos no capitulo 3.
Cap. 2 do livro De Jesus para as crianças – Bittencourt Sampaio
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