Será que a criança pensa como a gente, nos seus primeiros anos de vida?
Nosso pensamento é predominantemente verbal, pensamos como se falássemos para nós mesmos, em voz baixa.
Será assim também que a criança pensa? Que instrumentos ela tem, desde o início de sua vida aqui conosco, para pensar?
Piaget foi um dos teóricos que nos mostrou de forma extremamente meticulosa e interessante estas coisas que acontecem no desenvolvimento intelectual durante a infância, e a partir destes conhecimentos podemos entender profundamente este processo.
O que se sabe hoje é que a criança, ao nascer, já tem certas capacidades inatas, ligadas à própria sobrevivência, tais como os atos reflexos de sugar e engolir.
Sabemos que tem o movimento que seus sentidos, ainda que de forma meio rudimentar, já estão presentes. Sabe-se ainda que o meio-soial e cultural em que ela se insere é que vai dar as primeiras coordenadas para seu desenvolvimento.
Estes são os instrumentos que recebe o nascer e que, a partir deles, ela vai começar a (re)construir-se como pessoa humana.
Considerando o Espírito como imortal, sabendo de sua longa experiência anterior, ao nascer aqui ele submete-se a estas novas condições, passando por este processo de reconstrução a cada nova experiência, o que lhe é extremamente positivo.
Antes de dominar bem a linguagem, o pensamento da criança apoia-se em outros elementos para desenvolver-se, tais como as próprias sensações ligadas aos sentidos.
O pensamento é mais global, no sentido de representar mentalmente cada experiência, apreendendo a imagem, o cheiro, o gosto, as sensações... Cada experiência vivida, cada ideia, cada objeto novo conhecido vai ganhando uma imagem mental..
Um exemplo bem ilustrativo dessa situação, e vocês devem ter vários também, é o de uma criança de aproximadamente três anos, que queira ir ao "clube do sapato", e pedia insistentemente à mãe que a levasse.
Ninguém compreendia o que esta menina queria, e que lugar era esse, até que se decobriu que o tal clube era, na realidade, o "tênis clube". Ora, o que aconteceu?
Provavelmente a menina, ao ouvir pela primeira vez o nome do clube, mentalizou-o na forma das imagens conhecidas por ela, no caso o tênis (como sapato) e um clube. No momento de transfomar novamente em linguagem aquela imagem por ela reconstruída, houve uma pequena alteração, suficiente para dificultar o entendimento dos adultos à sua volta.
O surgimento da linguagem representa um salto enorme
no desenvolvimento infantil, pois amplia-se a capacidade de comunicação,
organização das ideias e reflexão. A linguagem, com todas estas vantagens
citadas, não se apresenta numa forma única. Há a fala verbal ou oral, mas há
também a linguagem gestual, escrita, etc. É ela que marca o início da
possibilidade de representar, de usar mediadores entre ela própria e o mundo,
como nos ensinou Vygotsky.
Ao aprender e dominar a linguagem (principalmente a
verbal, para as pessoas sem deficiência auditiva ou de fala) a criança vai
internalizando-a, formando assim este pensamento verbal que nós temos hoje (o
pensamento das pessoas surdas-mudas constitui-se de forma semelhante, a partir
de outras formas de linguagem que elas dispõem).
Em que medida saber como a criança pensa pode ser importante para nós? Tal conhecimento pode nos dar consciência de quanto podemos contribuir na reconstrução desta criança enquanto sujeito, pois seu pensamento vai sendo constituído a partir de seus próprios movimentos, de seus sentidos, de suas experiências com o outro...
O pensamento verbal, reflexivo, e que possibilita ordenar
e organizar o próprio pensamento infantil não surge do nada, mas é construído
passo a passo pela própria criança, a partir das interações que ela mantém em
seu meio. Assim também ocorre com os valores, ainda que de forma rudimentar.
Somente mais tarde a influência dos adultos sobre ela
deixa de ser tão forte. Até então, pode-se inclusive alterar, quase
completamente, suas características íntimas (“reformar o seu caráter”, como nos
diz Kardec, em O Livro dos Espíritos, perg. 385), advindas da bagagem trazida
de experiências em vidas passadas. Pois novas experiências representam novas
construções, e este período inicial, em função de ter como tarefa principal a
construção do pensamento e de si mesmo, como sujeito - posto que nem o
pensamento verbal está pronto - é extremamente propício a isto.
Saibamos aproveitar cada momento desta
fase de nossas crianças, cada parte deste processo tão bonito e agora
compreensível em parte para nós, graças aos estudos feitos nesta área do
desenvolvimento infantil. Ao contrário do que muitos supunham, quanto mais à
ciência caminha, mais perto chegamos da compreensão destes processos como parte
de uma filosofia maior da evolução humana e do Espírito imortal.
Marlene Fagundes Carvalho Goncalves
Ribeirão Preto-SP Jornal “Verdade e Luz” de
maio/97. (Jornal Mundo Espírita de Maio de 1997)
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